WON’T YOU FLY, FREE BIRD?

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24/12/2012 por quidproco

Se eu fosse embora daqui amanhã você ainda se lembraria de mim? É fácil perceber que a resposta a essa pergunta não fará o questionador mudar de ideia quanto à sua vontade de pegar a estrada. Antes da pergunta há uma introdução. A música começa com um teclado e um violão dedilhado, logo seguidos por uma bateria e um baixo que vão dando os primeiros passos para se harmonizarem com os demais instrumentos. Lentamente os quatro instrumentos alcançam a congruência e uma guitarra aparece com um slide que só consegue me remeter a um acelerador, usado por enquanto apenas para fazer a memória lembrar do som que a vida deveria ter . Aquelas idas e vindas no braço da guitarra nada mais são do que o aquecimento do motor, a coragem que se adquire na frente do espelho quando se treina para ter aquela conversa capaz de mudar vidas e de deixar pulsos abertos em sangue.

Eis que finalmente vem a conversa. Um jantar, talvez anteceda tudo. Cria-se um momento de beleza que será o contraponto do rompimento, como se um efêmero prazer pudesse acalantar a inevitável quebra de expectativas. Duas estrofes explicam exatamente o que é preciso saber: a vida segue em frente e você sabia disso, pois sempre fui um pássaro livre, um pássaro que você jamais poderá mudar.

Chega o refrão. Grita-se a plenos pulmões que aquele pássaro não poderá nunca perder sua natureza de voar; que a gaiola consegue conter apenas os movimentos, mas jamais os pensamentos; que existem asas desesperadas por cumprirem o seu papel no mundo; que o vilão da mesmice deve, finalmente, ser desmascarado no último capítulo. Deus sabe como não posso mudar. A violência das baquetas atesta essa ânsia de seguir em frente. A fúria das cordas da guitarra são a prova de que o refém tentou lutar contra sua natureza. Foi em vão.

Volta o deslize na guitarra. Mais coragem é preciso. Das duas próximas estrofes, apenas a primeira diz algo novo: bye bye, baby. A segunda apenas se repete, afinal, quem disse que mais explicações são necessárias? O que precisava ser dito já está ali e no fundo você sempre soube que isso iria acontecer. Você já sabe quem eu sou e não poderá me manter aqui por muito tempo, uma vez que esse pássaro você não poderá mudar.

Volta o refrão. O pássaro canta cada vez mais alto. Se a gaiola o estimula a cantar mais alto é apenas porque o pedido de socorro se faz mais estridente à medida que as grades não foram abertas no momento certo. Canto mais forte por socorro, não por amor à música e muito menos para que você possa me apreciar feliz, no conforto de suas almofadas estofadas e bebendo um vinho chileno. Nem sei se estou feliz por ter que ir embora. Deus sabe que eu não posso mudar. Oh, deus, me ajude. Eu não posso mudar. Você não vai voar, pássaro livre?

Só me resta agora viajar. Deixar o embalador slide de lado, ter a coragem de levantar daquele restaurante deixando em cima o valor da conta e a gorjeta do garçom, que provavelmente será o único que poderá sorrir ao fim daquela noite. Os dedos não mais deslizam lentamente pela guitarra. Eles dançam, voam, seguem para o primeiro ponto da estrada que encontrarem e atacam o carro que mais cedo o destino fizer cruzar por mim, não importando nem mesmo a direção que ele segue. Não é o destino, é a viagem. As notas são cada vez mais ágeis, assim como a velocidade sistólica do meu sangue. Já este está apenas seguindo o ritmo que o vento impõe aos meus cabelos enquanto coloco metade do meu corpo para fora do carro. A liberdade é abstrata, mas pode ser sentida pelo tato.

free-bird

 

 

Ouçam Free Bird.

Conheçam Lynyrd Skynyrd.

Sejam livres.

Feliz Natal.

 

Eduardo Melo

Um pensamento sobre “WON’T YOU FLY, FREE BIRD?

  1. Erly Guedes disse:

    Como sempre, incrivelmente adorável o “meu garoto” Eduardo Melo. Hoje eu serei livre.

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